27 out A Lei 14.197/2021: Veto de Bolsonaro Impedem a Verdadeira Defesa do Estado Democrático de Direito. Artigo escrito pela advogada do GSG Advocacia Fernanda Valone Esteves, especialista nas áreas de Direito Eleitoral e Administrativo e Membra da Comissão de Direito Político e Eleitoral da OAB/Londrina.
No início de setembro deste ano, mais precisamente no dia 2, o Presidente Jair Messias Bolsonaro sancionou, com vetos, a Lei Ordinária nº 14.197/2021, oriunda do Projeto de Lei 2462/91 de autoria do ex-deputado Hélio Bicudo.
A lei sancionada revoga a Lei de Segurança Nacional (LSN), um resquício da ditadura militar, e acrescenta ao Código Penal o Título XII. Com isso, passam a ser considerados crimes contra o Estado democrático de Direito atos que atentem contra à soberania nacional, às instituições, aos serviços essenciais, além de determinadas condutas contra a honra e a paz pública. Também passa a ser criminalizado condutas contrárias ao correto funcionamento das instituições democráticas durante o processo eleitoral e disposições gerais.
Em análise aos vetos do Presidente há dois pontos que merecem maior atenção, o primeiro é que a maioria dos tipos penais por ele sancionados, oito dos dez, são dispositivos que já constavam na redação original da polêmica Lei de Segurança Nacional, e o segundo que os quatro artigos por ele vetados dizem respeito a interesses pessoais do Presidente da República, o que aparenta uma tentativa de proteger militares -seus aliados - e ele mesmo.

Para uma primeira análise segue o quadro comparativo entre os artigos da LSN e os artigos sancionados da Lei nº 14.197/2021:






























Lei 14.197/2021 - Sancionada Lei De Segurança Nacional - Revogada
Art. 359-I. Negociar com governo ou grupo estrangeiro, ou seus agentes, com o fim de provocar atos típicos de guerra contra o País ou invadi-lo: Art. 8º. Entrar em entendimento ou negociação com governo ou grupo estrangeiro, ou seus agentes, para provocar guerra ou atos de hostilidade contra o Brasil.
Art. 359-J. Praticar violência ou grave ameaça com a finalidade de desmembrar parte do território nacional para constituir país independente: Art. 11. Tentar desmembrar parte do território nacional para constituir país independente.
Art. 359-K. Entregar a governo estrangeiro, a seus agentes, ou a organização criminosa estrangeira, em desacordo com determinação legal ou regulamentar, documento ou informação classificados como secretos ou ultrassecretos nos termos da lei, cuja revelação possa colocar em perigo a preservação da ordem constitucional ou a soberania nacional: Art. 13. Comunicar, entregar ou permitir a comunicação ou a entrega, a governo ou grupo estrangeiro, ou a organização ou grupo de existência ilegal, de dados, documentos ou cópias de documentos, planos, códigos, cifras ou assuntos que, no interesse do Estado brasileiro, são classificados como sigilosos.
Art. 359-L. Tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais: Art. 18. Tentar impedir, com emprego de violência ou grave ameaça, o livre exercício de qualquer dos Poderes da União ou dos Estados.
Art. 359-M. Tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído: Art. 17. Tentar mudar, com emprego de violência ou grave ameaça, a ordem, o regime vigente ou o Estado de Direito.
Art. 359-N. Impedir ou perturbar a eleição ou a aferição de seu resultado, mediante violação indevida de mecanismos de segurança do sistema eletrônico de votação estabelecido pela Justiça Eleitoral:
Art. 359-P. Restringir, impedir ou dificultar, com emprego de violência física, sexual ou psicológica, o exercício de direitos políticos a qualquer pessoa em razão de seu sexo, raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional:
Art. 359-R.Destruir ou inutilizar meios de comunicação ao público, estabelecimentos, instalações ou serviços destinados à defesa nacional, com o fim de abolir o Estado Democrático de Direito: Art. 15. Praticar sabotagem contra instalações militares, meios de comunicações, meios e vias de transporte, estaleiros, portos, aeroportos, fábricas, usinas, barragem, depósitos e outras instalações congêneres.b) dano, destruição ou neutralização de meios de defesa ou de segurança; paralisação, total ou parcial, de atividade ou serviços públicos reputados essenciais para a defesa, a segurança ou a economia do País, a pena aumenta-se até o dobro;
CP - Art. 286 – Incitação ao crimeParágrafo único. Incorre na mesma pena quem incita, publicamente, animosidade entre as Forças Armadas, ou delas contra os poderes constitucionais, as instituições civis ou a sociedade. ” (NR)
Art. 23 - Incitar:II - à animosidade entre as Forças Armadas ou entre estas e as classes sociais ou as instituições civis;

Apesar do Presidente não haver seguido a orientação de grande parte dos seus apoiadores no Congresso Nacional ao revogar a Lei de Segurança Nacional, a maioria dos artigos sancionados já constavam na LSN, e aqueles que foram vetados eram dispositivos essenciais ao atual cenário político e que, por coincidência ou não, têm impacto direto ao Presidente, à sua família e aos seus correligionários políticos.
O primeiro veto foi sobre o tipo penal do “Art. 359-O – Comunicação enganosa em massa”que tinha o objetivo de criminalizar as chamadas fake News, o artigo impunha prisão de 1 a 5 anos e multa para quem promover ou financiar a disseminação de fatos sabidamente inverídicos. O Presidente justificou o seu veto afirmando que o tipo penal não deixou claro qual seria o objeto de criminalização, se a conduta daquele que gerou a notícia ou daquele que a compartilhou, se o crime seria continuado ou permanente, ou mesmo se haveria um ‘tribunal da verdade’ para definir o que viria a ser entendido por inverídico. Além disso, Bolsonaro alega que “a redação é genérica e tem o efeito de afastar o eleitor do debate político”.

Aparentemente a intenção do Presidente é evitar futuras sanções a ele e se seus aliados, visto que ele e vários de seus apoiadores são alvos de um inquérito no Supremo Tribunal Federal que investiga a disseminação de fake News (Gabinete do Ódio).

O segundo veto diz respeito ao “Art.359-Q – Ação penal privada subsidiária” que admite a possibilidade de que partidos políticos, com representação no Congresso Nacional, ajuízem ação privada subsidiária para crimes cometidos em face do bom funcionamento das instituições no processo eleitoral nos casos em que o Ministério Público não a fizer no prazo estabelecido em lei. Na justificativa do veto o Presidente alega que “não é atribuição de partido político intervir na persecução penal ou na atuação criminal do Estado”.

O terceiro veto diz sobre o “Art.359-S – Atentado a direito de manifestação” que prevê pena de até oito anos àqueles que impedissem o livre e pacífico exercício de manifestação. A justificativa do veto, sem quaisquer surpresas, centra-se na suposta “dificuldade” das forças de segurança pública em caracterizar o que viria a ser uma manifestação pacífica, sem razão o Presidente, pois o dever das polícias é duplo, de um lado deve utilizar de seus treinamentos e táticas de inteligência para prever possíveis desdobramentos violentos em uma manifestação, e de outros, proteger os manifestantes que estão exercendo os seus direitos.

O quarto e quinto vetos dizem respeito ao “Art. 359-U – Aumento de pena e efeitos da condenação para os crimes definidos no Título XII”. O artigo continha 3 dispositivos principais, I – aumento de 1/3 da pena se os crimes cometidos com violência se valessem do uso de arma de fogo; II – aumento de 1/3 da pena se cometidos por funcionários públicos e; III – aumento de metade da pena se cometidos por militares. Nestes dois últimos casos, ainda seria imposta a perda da posição.

Quanto aos incisos I e II o Presidente justificou o veto em apenas um texto, afirmando que não se pode admitir agravamento da pena pela simples condição de agente público, todavia, deixou de justificar o veto ao inciso I do artigo (aumento de pena para crimes cometidos com arma de fogo). Isto é muito grave, pois todo e qualquer veto deve ser motivado com justificativas plausíveis, por isto, é fundamental a análise do veto pelo Congresso Nacional.

Em outras linhas, pode-se até mesmo considerar que a ausência de justificativa do veto do inciso I seria em razão da vontade do atual governo em facilitar o uso de armas de fogo por civis.

No inciso III fundamentou o veto no tocante a desproporcionalidade entre o aumento previsto ao funcionário público (um terço) e aquele para os militares (metade da pena). Todavia, vale lembrar que para caso de crimes cometidos por oficiais só haverá perda da patente em caso de condenação penal ou militar superior a dois anos e ainda, o julgamento será submetido à decisão do Tribunal Militar, conforme Art. 142, inciso VI e VII da Constituição Federal.

Certamente a Lei nº 14.197/2021, mesmo com suas limitações e vetos de dispositivo essenciais para a manutenção do Estado Democrático de Direito, é um grande avanço desde a revogação da Lei de Segurança Nacional que restringia as liberdades individuais e criminalizava associação e partidos, quanto dos artigos 359-N e 359-P que agora tipificam como crime atos que visam a interrupção do processo eleitoral e violência política.

No caso dos vetos, os trechos vetados voltaram em 02/09/2021 para análise do Congresso Nacional e votação conjunta da Câmara dos Deputados e Senado em 30 dias, todavia, o feito está em sobrestamento de pauta desde 02/10/2021. Já os artigos sancionados entram em vigor dentro de 90 dias a contar da data da publicação no Diário Oficial.

Artigo escrito pela advogada do GSG Advocacia Fernanda Valone Esteves, especialista nas áreas de Direito Eleitoral e Administrativo e Membra da Comissão de Direito Político e Eleitoral da OAB/Londrina.