24 nov A prescrição à luz das alterações procedidas na Lei de Improbidade Administrativa Artigo por Bruna Leite, advogada especialista em Direito Administrativo
Em 26 de outubro de 2021, entrou em vigor a Lei 14.230/21 que alterou substancialmente a normativa da Lei 8.429/92 no tocante à responsabilização por ato de improbidade administrativa, de sorte que a prescrição no âmbito de tais ações foi um dos pontos que sofreu expressiva modificação.
A revogada redação do artigo 23 da LIA previa três hipóteses distintas de prescrição para a propositura da ação de improbidade, variáveis, sobretudo, em função do vínculo do agente público e nada previa sobre a possibilidade de prescrição intercorrente.

A nova redação conferida ao caput do artigo 23 unificou em oito anos o referido prazo prescricional, independentemente do tipo de vínculo do agente, contados a partir da ocorrência do ato supostamente ímprobo ou, no caso de infrações permanentes, do dia em que cessou a permanência – aplicando-se a teoria da actio nata para o nascimento da pretensão punitiva.

Além disso, seu §4º previu atos processuais como marcos temporais para interrupção da prescrição, como o ajuizamento da ação, a publicação de sentença condenatória ou publicação de decisão ou acórdão de TJ ou TRF, do STJ ou do STF que confirme sentença ou acórdão condenatório ou que reforme sentença ou acórdão de improcedência, momentos a partir dos quais esta voltará a fluir pela metade do prazo disposto no caput do art. 23. Ou seja, criou-se a prescrição intercorrente no prazo de 4 anos para as fases processuais especificadas, nos termos do § 5º do referido dispositivo.

Tais alterações vêm acarretando polêmicos debates na comunidade jurídica, ao se esboçar o entendimento que violariam o próprio instituto da prescrição na sistemática do microssistema anticorrupção, sob o argumento de necessidade do conhecimento do fato controvertido pelo agente para que se dê início ao prazo prescricional para o exercício do direito de ação – tendo como parâmetro o artigo 25 da Lei 12.846/2013 – bem como, de possível obstaculização ao controle estatal sobre atos de corrupção ante a previsão e prazo de prescrição intercorrente em ações de improbidade, além das formas de aplicação das novas regras aos processos em curso.

Não obstante as controvérsias, tem-se que as inovações promovidas no regime prescricional coadunam com a teleologia da lei de improbidade à luz do Direito Administrativo Sancionador (agora com aplicação prevista expressamente no art. 1º, §4º da LIA), visto que a pretensão sancionatória do Estado não pode perdurar indefinidamente, e dos princípios da segurança jurídica e duração razoável do processo.

Isso porque, o exercício de controle de atividade social intolerável, como na persecução de atos de improbidade administrativa, sobretudo mediante a imposição de penas, se trata de um dever do Estado de proteger seus cidadãos e bem jurídicos, eis que é apenas gestor de direitos daqueles que o compõe e não sujeito de direitos em si próprio. Portanto, inaceitável que se fale em direito punitivo ou sancionador do Estado a ser onerado pelo instituto.

À vista disso, versa a prescrição sobre a impossibilidade do exercício deste dever de punir/sancionar do Estado em função de sua inércia no transcorrer de certo tempo, enquanto a prescrição intercorrente é modalidade especial desta, pela qual é extinta a pretensão sancionatória do Estado em função do decurso do tempo a partir da deflagração do processo.

Logo, não se trata a prescrição de punição ao agente estatal ante sua negligência, mas sim de norma temporal que impede a perpetuação da possibilidade de sancionamento do agente supostamente ímprobo – este sim, sujeito de direitos e igualmente integrante do corpo estatal – tendo como principal premissa que sua submissão indefinida a processo e a alongada expectativa de ser ou não punido já seria suplício suficiente, como bem preceitua a teoria da expiação no âmbito penal.

Assim, tem-se que a prescrição, inclusive a intercorrente, são normas de natureza material e de ordem pública, podendo até mesmo ser reconhecida de ofício, conforme expresso no próprio texto da novel lei (§8º do art. 23), e com aplicação imediata desde sua entrada em vigor, ante a ausência de previsão de vacatio legis.

Por sua vez, quanto a aplicação aos processos em curso, por coerência sistêmica dos princípios do direito administrativo sancionador e da retroatividade de normas penais benéficas, nos termos do imperativo constitucional previsto no inciso XL, do artigo 5º, da Constituição Federal - impõe-se reconhecer que o novo regime da prescrição nas ações de improbidade deve igualmente retroagir por ser mais favorável, independentemente da fase em que se encontrem.

Por outro lado, a lei não fez menção expressa quanto à imprescritibilidade do ressarcimento ao erário (esculpida pelo STF no Tema 897 de repercussão geral e ecoado pelo STJ no Tema 1.089 de recursos especiais repetitivos), de modo que, prescrita a pretensão sancionatória, tendo como norte as demais previsões da Lei 14.230/21, não poderá se furtar o autor da ação de comprovar o dolo especifico do agente e o efetivo dano aos cofres públicos, para que esta prossiga e subsista a pretensão ressarcitória.

Em suma, no que concerne ao instituto da prescrição, a nova redação conferida à lei de improbidade aperfeiçoa a sistemática de repressão de atos de improbidade ao exigir maior planejamento na pretensão sancionatória do Estado perfilada aos mais altos e constitucionais valores republicanos conferidos aos seus cidadãos, ainda que, em tese, ímprobos. 

Escrito por Bruna Leite, advogada do GSG Advocacia atuante em Direito Administrativo e Direito Eleitoral.